Steve McIvor, CEO da Proteção Animal Mundial, comenta a relação entre a pecuária industrial intensiva e as mudanças climáticas.
O preço de nossos alimentos está aumentando – e não se trata apenas do aumento do valor em reais no caixa do supermercado. O custo para o nosso bolso pode ser apenas o primeiro sinal, mas quando se trata dos alimentos que comemos – especificamente a carne – há uma série de custos ocultos com ramificações cada vez mais perigosas, tanto para o planeta quanto para a saúde humana.
Hoje, todas as indústrias são monitoradas em relação ao seu impacto ambiental, o fato é que poucas voam tão abaixo do radar quanto a indústria da carne. Os animais de criação contribuem com cerca de 14% das emissões globais de gases de efeito estufa, sendo os produtos animais responsáveis por cerca de três quartos das emissões agrícolas totais. Enquanto muitos consumidores estão começando a optar mais por alimentos de origem vegetal, os gigantes globais da indústria de carne ainda prosperam, com consequências inaceitáveis para o clima, a saúde humana e o tratamento dos animais.
Tudo, desde os abrigos dos animais até a colheita de ração e o processamento das carcaças, utiliza enormes quantidades de energia gerada por combustíveis fósseis. Porém, o maior impacto da indústria da carne é o desmatamento, também conhecido como mudança no uso do solo, que é impulsionado em grande parte pela necessidade de produzir ração animal. Cerca de 80% do desmatamento global é resultado da produção agrícola, liberando carbono na atmosfera e ameaçando causar danos irreversíveis às maiores florestas tropicais remanescentes do mundo. Especialistas alertam que a Amazônia está se aproximando de seu ponto de inflexão, o que desencadearia uma retração florestal e transformaria a floresta tropical em pasto durante algumas décadas, liberando quantidades sem precedentes de carbono.
Novas pesquisas da Proteção Animal Mundial revelam que, em 2023, os cinco maiores processadores mundiais de carnes de frango e suína produziram emissões equivalentes às de 36,4 milhões de carros em circulação. A grande culpada é a JBS, maior processadora de carne do mundo, com sede aqui no Brasil, responsável por emissões de CO² equivalentes a 14 milhões de carros em apenas um ano. Isso é mais do que o número total de carros em Nova York e três vezes o total de carros no Rio de Janeiro.
Apesar das promessas públicas de investir em tecnologia para reduzir seu impacto ambiental e utilizar ração animal com menor intensidade de emissões, a JBS e outros estão no caminho certo para ficar extremamente aquém de suas próprias metas autodefinidas. As alegações de que eles estão "limpando" sua operação devem ser vistas com cautela, na melhor das hipóteses. A falta de progresso na redução de emissões não é apenas um mau presságio para as aspirações de sustentabilidade da indústria, mas também compromete as metas climáticas internacionais, como o Acordo de Paris, para limitar o aumento da temperatura global a 1,5ºC.
Com o abate de mais de 11 bilhões de frangos e 150 milhões de suínos por ano, os gigantes da indústria da carne também são responsáveis por grande sofrimento dos animais. Impelidos pela demanda por carne barata, mas deliberadamente escondidos desses mesmos consumidores, os animais são forçados a viver aglomerados e cheios de antibióticos para evitar doenças que resultam das condições estressantes que são forçados a suportar. Esse tratamento dos animais não apenas é inaceitável do ponto de vista do bem-estar, mas também tem implicações alarmantes para a saúde pública. Cerca de três quartos de todos os antibióticos do mundo são utilizados em animais de criação, originando cada vez mais superbactérias resistentes a antibióticos. Essas superbactérias já matam 1,27 milhões de pessoas a cada ano e, até 2050, projeta-se que serão a principal causa de morte em todo o mundo.
A verdade é que não precisamos da pecuária industrial para alimentar o mundo. Não é um preço que temos que pagar para produzir alimentos em quantidade suficiente. Um sistema de produção de alimentos sustentável, baseado em mais alimentos de origem vegetal e menor número de animais criados em condições humanitárias, pode atender à demanda global de alimentos e contribuir significativamente para evitar a catástrofe ambiental. Em vez de minar a segurança alimentar com o desmatamento de vastas extensões de terra para alimentação animal, essa terra poderia ser usada para cultivar plantações diretamente para consumo humano. A ineficiência do modelo de pecuária industrial é surpreendente: para cada 100 calorias fornecidas aos animais como cereais, apenas 17 a 30 calorias entram na cadeia alimentar humana como carne.
Os governos têm um papel importante a desempenhar no incentivo e apoio ao crescimento da indústria de alimentos à base de plantas, mas primeiro deve haver uma moratória imediata para novas fazendas industriais. Para as fazendas industriais existentes, precisamos ver tanto o fortalecimento dos padrões mínimos de bem-estar animal quanto a eliminação dos enormes subsídios que incentivam seu crescimento: mais de meio trilhão de dólares são concedidos aos produtores em subsídios globais a cada ano, dos quais, de acordo com as Nações Unidas, 90% têm um impacto prejudicial sobre o clima, a biodiversidade e a saúde humana. Uma remoção contínua desses subsídios contribuirá para alcançarmos a paridade de preços entre a carne e os alimentos de origem vegetal. Precisamos incentivar o abandono da pecuária industrial e tornar nosso sistema de produção de alimentos "à prova de futuro", a fim de respeitar os limites de nosso planeta, proteger o bem-estar dos animais e preservar a saúde de nossos corpos.
Minidocumentário aponta o impacto da soja sobre animais silvestres e de criação
Realizado em Sinop, no Mato Grosso, "Floresta Racionada" foi produzido por meio de extensas pesquisas de dados e entrevistas com especialistas para evidenciar como a produção brasileira de grãos abastece, primordialmente, a indústria da carne e impacta a fauna brasileira.
O Mato Grosso é o maior estado produtor de grãos do Brasil e o único a ter três dos principais biomas do país: Amazônia, Cerrado e Pantanal. O curta denuncia o impacto da pecuária industrial intensiva na vida dos animais silvestres - que são afetados pelas queimadas e o desmatamento - e de produção (como aves, suínos e bovinos) - que são criados em condições que desrespeitam suas vidas.
Floresta Racionada é uma produção da Proteção Animal Mundial em parceria com a Repórter Brasil, uma premiada organização não-governamental de jornalismo investigativo.
Cerca de 80% do desmatamento global é resultado da produção agrícola, liberando carbono na atmosfera e ameaçando causar danos irreversíveis às maiores florestas tropicais remanescentes do mundo