COP 29 chega ao fim com poucos avanços
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Apesar dos impactos climáticos já sentidos no mundo, a COP 29 encerrou com poucas soluções e falhas cruciais. O Brasil tem a chance de mudar isso em 2025
Os efeitos das mudanças climáticas já estão sendo sentidos no mundo todo, mas a Conferência do Clima da ONU deste ano, a COP 29, realizada em novembro, em Baku, Azerbaijão, encerrou no último dia 22 ainda sem avançar no debate sobre o papel dos sistemas alimentares na emissão de gases de efeito estufa, apostando em falsas soluções e falhando em garantir o financiamento climático adequado.
No ano que vem, o Brasil sediará a COP 30 e terá a oportunidade de mostrar ao mundo seu compromisso com o futuro. Para isso, será essencial romper sua relação umbilical com o agronegócio e reconhecer que o setor se tornou um problema climático que precisa ser enfrentado.
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Resultados da COP 29
Logo no primeiro dia da COP 29, às portas fechadas e às pressas, foi fechado um acordo, com a definição de algumas das regras gerais que deverão orientar o mercado de carbono global e a criação dos créditos de carbono. O sistema será administrado pela Organização das Nações Unidas, que deve definir que atividades e projetos poderão gerar créditos.
O mecanismo tem sido muito questionado por organizações da sociedade civil, pois pode ser usado como uma espécie de greenwashing, já que cria uma ilusão de progresso ao permitir que países e empresas comprem créditos de carbono, porém continuem emitindo gases de efeito estufa, se eximindo da responsabilidade de redução real dessas emissões. No Brasil, o Senado seguiu o mal exemplo e aprovou, no último dia 13, um Projeto de Lei que regulamenta o mercado nacional de carbono, e que segue agora para sanção presidencial.
“Na prática, esse mecanismo funciona como uma licença para seguir poluindo, pois desvia o foco de ações realmente eficazes, como o combate ao desmatamento e aos impactos da agropecuária industrial, por exemplo. Pior ainda, o texto do Projeto exclui explicitamente o setor agropecuário da imposição de um limite de emissões, protegendo ainda mais o principal responsável pela destruição ambiental no país e justamente o maior contribuinte para as emissões de gases de efeito estufa nacionais”, explica Natália Figueiredo, gerente de políticas públicas da Proteção Animal Mundial, que acompanhou a conferência.
Outra grande pauta da COP 29 foi a questão do financiamento climático, que trata do investimento necessário para que países menos desenvolvidos possam se adaptar para resistir aos impactos das mudanças climáticas já em andamento. No último minuto, foi fechado um acordo para um aporte de US$ 300 bilhões anuais até 2035, o que está bem abaixo do US$ 1,3 trilhão reivindicados pelas nações em desenvolvimento, e que será “liderado” pelos países desenvolvidos, deixando os mais impactados a mercê dos principais poluidores.
“Mais uma vez observamos uma Conferência das Partes falhando em seu objetivo de mudar o rumo dos desafios das mudanças climáticas. Enquanto todos os países não se comprometerem de verdade com a transformação dos sistemas alimentares para um modelo que seja justo, equitativo e sustentável, os acordos climáticos seguirão insuficientes”, afirma Natália.
Tragédia no Rio Grande do Sul deveria servir de lição
O financiamento climático é crucial para lidar com situações como a que ocorreu no Rio Grande do Sul no início deste ano, por exemplo, quando milhares de pessoas e animais foram vitimados por chuvas acima do normal, o que se caracteriza como um evento climático extremo. Mas, além disto, é fundamental que situações como esta sirvam para demonstrar a gravidade da situação e ajudem a reorientar a forma da sociedade e dos governantes enxergarem e agirem em eventos e sua conexão com a devastação ambiental.
Ajude a evitar novos desastres climáticos
Há anos produzimos relatórios e estudos mostrando o impacto ambiental causado pelo agronegócio, incluindo sua contribuição significativa nas emissões de gases de efeito estufa e aquecimento global. O setor tem um histórico avassalador sobre os biomas do país já que há décadas vem desmatando vegetação nativa para implantação de pastagens e para o cultivo de grãos,destinados para a produção de ração animal. Atualmente, a conversão de uso do solo, ou seja, a retirada de vegetação nativa, ou desmatamento, para a implantação de atividades agrícolas, corresponde por 46% das emissões de gases do efeito estufa do país, e a agropecuária sozinha responde por mais 28%. Além disso, 97% da área desmatada é ocupada pela agropecuária industrial.
Esse ciclo nocivo, além de dizimar a vida silvestre, irá alimentar uma dinâmica cruel, em que animais confinados são alimentados por essa ração enquanto vivem uma vida de sofrimento.
Recentemente lançamos o documentário "As Vítimas Invisíveis da Crise Climática", que expõe os impactos dos eventos extremos sobre os animais silvestres e também de criação, como bovinos, aves e suínos, documentando as recentes enchentes no Rio Grande do Sul e a seca no Amazonas.
O documentário evidencia que a preservação ambiental é essencial para evitar esse tipo de tragédia e traz o exemplo da Unidade de Conservação Refúgio da Vida Silvestre Banhado dos Pachecos, no Rio Grande do Sul. O local atuou como uma esponja natural durante as enchentes, impedindo que as águas causassem mais danos e oferecendo abrigo para animais silvestres.
Adaptação climática não se trata apenas sobre preparar cidades para enfrentar tragédias como essas, mas de mudar profundamente a forma que produzimos e consumimos de forma gradual e sistêmica, e de modo que seja realmente sustentável.
Chega de agropecuária industrial, é a vez da agroecologia!
A produção de alimentos baseada na agropecuária industrial é a segunda maior fonte de emissões mundiais e causa do aquecimento global, perdendo apenas para o setor energético. Apesar disso, o tema segue extremamente marginalizado nas discussões climáticas.
Adotar mudanças sistêmicas e culturais, com menos estímulos ao consumo de carne e produtos de origem animal, e mais incentivo a produção e distribuição de alimentos agroecológicos, é crucial e o ponto de partida para a adaptação climática. Pesquisas indicam que uma transição da sociedade para dietas diversificadas e ricas em vegetais, tal qual nossos ancestrais, pode reduzir as emissões globais em 70% até 2050.
Mas é preciso que os líderes mundiais tenham coragem de fazer as mudanças estruturais necessárias para que isso aconteça. No caso do Brasil significa reconhecer a responsabilidade da agropecuária na questão climática, impondo a ela a necessidade de reduzir os danos ambientais e climáticos que provoca e regras e mecanismos de limitação de sua expansão e impactos.
Contribuição Nacionalmente Determinada ou NDCs
Um pouco antes da COP 29 o Brasil anunciou sua nova Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), de atingir até 2035 uma redução entre 59% e 67% de emissão de gases do efeito estufa, comparado aos níveis de 2005. O que foi considerado pouco ambicioso por organizações da sociedade civil, e desalinhado com os compromissos já assumidos pelo governo brasileiro. Já as metas por setor ainda não foram divulgadas, e não está claro se o governo irá de uma vez por todas aumentar a régua para os maiores emissores brasileiros: a agropecuária industrial. Poupar o setor de um limite de emissões de GEE seria uma tragédia não apenas para o país, mas para o futuro da humanidade.
Para Tricia Croasdell, CEO da Proteção Animal Mundial, se os líderes mundiais realmente quiserem fazer algo para nos salvar dos estragos da crise climática, eles devem reconhecer que nosso mundo está interconectado e que o bem-estar animal e a ação ambiental são inseparáveis, “Eles devem assumir o compromisso de interromper a expansão da pecuária industrial e de ajudar a financiar um clima estável e um futuro seguro para todos” afirma Tricia. “Sem compromissos mais ousados, especialmente na transformação dos sistemas alimentares, corremos o risco de consequências catastróficas para as pessoas, os animais e o planeta”, complementa.
Faça uma doação e ajude-nos a combater a crise climática
Em 2025, durante a COP 30, o Brasil poderá e deverá provar seu comprometimento rumo à revolução ambiental. Para isso, será necessário promover transformações profundas e sistêmicas no modelo agroalimentar . Embora extremamente complexa, por conta da imensa influência política exercida pelo agronegócio sobre o governo, essa missão é urgente.
Nesta COP, o Brasil levou 35 lobistas do agro como membros da delegação, o que é um péssimo sinal. No entanto, o que os governantes precisam entender é que isentar o setor de maior impacto ambiental e climático de seus compromissos não é mais uma opção e sim, premissa se quiser de fato contribuir para frear o avanço do aquecimento global.
Enfrentar a crise climática financiando uma transição para um sistema alimentar equitativo, humano e sustentável é indispensável e urgente.
Junte-se a nós na cobrança por soluções reais!