Por trás do porco que conhecemos, há uma longa história. Saiba por que precisamos fazer mais para que ele viva com bem-estar.
Os porcos que vemos hoje têm sua origem no javali (Sus scrofa), que habitava a Europa, e o javali asiático (Sus vitatus), que surgiu na Ásia. O cruzamento dessas duas espécies provavelmente deu origem à espécie moderna, que conhecemos como porco doméstico (Sus scrofa domesticus)1.
Os humanos criam porcos desde tempos remotos. Possivelmente, foram os povos arianos que, durante suas migrações, apresentaram esses animais fascinantes aos europeus. Na China, eles são criados há 5.000 anos antes de nossa era.
Os primeiros porcos a chegarem na América foram trazidos por Colombo em 1493 e introduzidos inicialmente em Santo Domingo, e depois na Colômbia, Venezuela, Peru e Equador. No Brasil, sua chegada aconteceu em 1532, trazidos por Martim Afonso de Souza.
Evoluímos juntos
Várias características dos porcos contribuíram para sua domesticação e dispersão pelo mundo. A primeira delas é seu tipo de alimentação: o fato de ser um animal onívoro facilitou sua convivência e evolução junto aos humanos porque permitiu que se alimentassem de uma grande variedade de alimentos, como tubérculos, raízes, grãos, pasto verde e outros animais, independentemente da localização e dos recursos disponíveis.
Seu tamanho relativamente pequeno, caráter manso e fertilidade foram fundamentais para o sucesso dessa convivência. Além disso, por sua facilidade de adaptação a ambientes adversos, os porcos foram fundamentais nas épocas de carência de alimentos, como durantes as grandes navegações e as guerras.2
A partir dos porcos que conviviam com nossos antepassados, iniciou-se uma seleção ativa para criá-los com características que são mais desejáveis aos humanos, principalmente aquelas relacionadas com uma maior produtividade.
Porém, esses animais domésticos têm toda a carga evolutiva de seus antepassados, tal como a defesa contra predadores. Apesar da domesticação ter alterado a anatomia e até mesmo a fisiologia desses animais, seu comportamento mudou em poucos aspectos.3
Por isso, ao olhar para um porco doméstico com aparência muito diferente a de um javali, nunca imaginamos que compartilham as mesmas necessidades de comportamento.
Atualmente, os sistemas de criação industrial não permitem que os porcos expressem com liberdade seu repertório de comportamentos. Alguma vez você se perguntou por que os porcos são criados em gaiolas e submetidos a diferentes mutilações?
Com a revolução industrial e a migração de pessoas para as cidades, o número de famílias que podiam criar seus próprios animais diminui e a indústria se viu pressionada a suprir essa demanda e a produzir mais e mais. A partir dessa época, o melhoramento genético e a construção de instalações apenas buscaram o aumento da produção: criar mais porcos de forma mais rápida. Infelizmente, foi então que os o comportamento dos animais ficou em último plano.
Em 1964, a jornalista inglesa Ruth Harrison questionou esses métodos de criação em seu livro “Animal Machines” (Máquinas Animais, em Português). Esse livro gerou polêmica na época e obrigou o Parlamento inglês a criar um comitê para discutir a importância do bem-estar animal e o respeito ao comportamento dos animais na produção. Isso deu início de um estudo de bem-estar dos animais com enfoque em comportamento.
Na América Latina, essa preocupação com a forma de criação começou mais tarde do que na Europa porque a informação sobre como os animais são criados ainda é escassa.
É hora de fazer mais
Em uma pesquisa realizada pela Proteção Animal Mundial, a produção com bem-estar animais ocupa o sexto lugar entre os aspectos decisivos para os consumidores na hora de comprar carne, muito diferente do que acontece na Europa. Além disso, dois em cada três latino-americanos desconhecem como os animais são criados.
Porém, essas mesmas pessoas acreditam que os sistemas de criação de animais com bem-estar geram produtos de melhor qualidade e mais sustentáveis. Isso é de extrema relevância porque a sustentabilidade é um tema importantíssimo para o futuro da humanidade.
Sabemos que a população mundial continuará crescendo, e mais famílias significam a necessidade de mais alimento. Entretanto, devemos pensar como esse alimento chegará a suas mesas.
Caminhamos para uma maior consciência dos métodos de criação e o mundo exige uma produção mais ética e centrada nas necessidades dos animais. Por isso, é necessário rever a sustentabilidade em todo o sistema e evitar perdas desnecessárias durante os processos. É preciso mudar a mentalidade e passar da produção cada vez mais intensiva e indiscriminada à produção cada vez mais ética. Somente assim será possível atender à demanda crescente dos consumidores no futuro, respeitando-se o comportamento e o bem-estar dos animais.
Referências:
1. VIANNA, A.T. (1986). Os Suínos: criação prática e econômica. 15ª ed. São Paulo, Nobel, 384p.
2. DIAS, C. P.; SILVA, C. A.; MANTECA, X. Prefácio. Bem-estar dos suínos. 1ª ed. Londrina: 2014. 404p.
3. BROOM, D.M.; FRASER, A.F. Comportamento e bem-estar de animais domésticos. 4 ª ed. Barueri: Manole, 2010. 438p.