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Deu zebra na indústria do boi

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A JBS abdicou de sua promessa de reduzir as emissões - mas ainda é possível pressioná-la, pelo bolso

Cena 1: Suécia, 2023. A Proteção Animal Mundial, junto com o Fair Finance Guide, revela, em um relatório, que os bancos e fundos de pensão investem cerca de US$ 150 milhões nas seis maiores produtoras de carne de frango e de porco do mundo, incluindo a brasileira JBS. O estudo indica que essas empresas estão ligadas ao desmatamento, além de seguirem padrões chocantes de bem-estar animal (confinamento, mutilação, etc).

Cena 2: O relatório gera um protesto de milhares de clientes desses bancos. Como consequência, as próprias instituições financeiras diminuem em 99% os investimentos na JBS. A cena 3 ainda não existe, mas poderia ocorrer no Brasil, caso os investidores daqui resolvessem seguir o exemplo sueco – e influenciando, quem sabe, empresas como a própria JBS.

O caso da JBS mostra que essas corporações vendem discursos de sustentabilidade que, na prática, não passam de "aspirações"

Mais de dez anos após a assinatura do Acordo de Paris, seguimos num movimento de retrocesso, materializado no aquecimento do planeta que já superou o 1,5 ºC, em 2024. Mais que aspirar ou aderir a compromissos – a exemplo do que fizeram as quase duzentas nações na capital francesa que concordaram em empenhar esforços para evitar o aquecimento global – é essencial, efetivamente, cumpri-los.  

Na edição brasileira da COP, que acontecerá em novembro, em Belém, as Partes apontarão novos compromissos para reduzir suas emissões. O Brasil é um grande produtor de petróleo, a exemplo do Emirados Árabes e do Azerbaijão, onde ocorreram as duas últimas COPS. Mas à diferença desses países, nossa maior fonte de emissão decorre do agronegócio – mais especificamente, do desmatamento que alimenta o agronegócio. Segundo dados do Seeg, 46% das emissões de gases do efeito estufa do país vêm da supressão de florestas. É de se esperar, portanto, que o setor esteja presente em peso no evento, tentando convencer o mundo de que suas atividades são sustentáveis. 

E assim chegamos ao caso da JBS. É inaceitável que um ator gigante do agronegócio afirme a uma agência de notícias, por meio de um dos seus mais importantes diretores, que as metas da empresa de zerar as emissões de gases do efeito estufa são apenas uma “aspiração” e não uma promessa (o famoso “foi mal, tava doidão”). Isso anula seu compromisso divulgado em 2021 de zerar as emissões de gases de efeito estufa até 2040, e atesta que a sociedade não pode confiar em nenhuma promessa da empresa relativa a mitigar o impacto de suas atividades no planeta (na verdade não surpreende tanto, quando se leva em conta que a JBS acumula denúncias de devastação ambiental e trabalho escravo).

Vale lembrar que as emissões de gases de efeito estufa da JBS superam as da Espanha e, em meio ao tamanho da crise climática que enfrentamos, meras “aspirações” – assim como simples assinaturas de acordos – não valem absolutamente nada. Nesse momento em que até a configuração geopolítica do planeta passa por mudanças em decorrência da crise climática, todos os atores envolvidos no impacto ao clima devem, efetivamente, agir. 

Em nome do lucro

Os governos, por sua vez, em vez de investirem na agroecologia – solução que enxerga o processo agrícola de forma mais abrangente, abarcando questões econômicas, culturais e ecológicas, sem tentativas de ampliar a produção visando apenas o lucro – insistem em subsidiar e incentivar o agronegócio. Não custa lembrar que, se esse modelo fosse de fato eficiente, o país já teria resolvido os índices de fome. 

Estamos longe desse marco. O modelo do agronegócio ainda tem como objetivo manter o país em sua posição de grande “celeiro do mundo”, tratando os animais de fazenda, a exemplo de bois, galinhas e porcos, como meras mercadorias, condenando-os a uma vida de sofrimento, enquanto os biomas brasileiros seguem sendo degradados, e a fauna silvestre, dizimada. Tudo em nome do lucro.

Esperar a boa vontade de empresas, autoridades e instituições financeiras é inócuo; só se avança com muita pressão e cobrança. O caso da JBS deixa evidente como essas corporações operam: enquanto ignoram denúncias de devastação ambiental e violações de direitos, vendem discursos de sustentabilidade e compromissos climáticos vazios que, na prática, não passam de “aspirações”. 

A sociedade ainda pode e deve contribuir para mudar esse cenário, seja demandando que a JBS limpe sua cadeia de produção, seja pressionando as instituições que guardam e administram sua vida financeira. E não são poucas: entre 2003 e 2023, a JBS recebeu US$ 24 bilhões em investimentos de instituições financeiras como o Royal Bank of Canada, Bank of China, BlackRock, Vanguard, Deutsche Bank, HSBC, Dimensional, BNP Paribas, Barclays, Fidelity, Santander, J.P. Morgan e Bank of Montreal. Vale destacar que seu maior acionista e investidor continua sendo o povo brasileiro, por meio do nosso BNDES. É hora de acabar com essa zebra na indústria do boi. 

Artigo escrito por Nara Perobelli, Gerente de Clima, e Marina Lacôrte, Gerente de Sistemas Alimentares

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