Melancia e Valente, duas antas vítimas do fogo no Pantanal, recebem tratamento com pele de tilápia para cicatrizar queimaduras graves nas patas
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Habitat dos mamíferos foi consumido pelo fogo e a dupla foi encontrada muito desidratada e com severas lesões que limitaram os movimentos
Melancia, de aproximadamente sete meses de vida, e Valente, de aproximadamente um ano, são dois jovens vítimas do incêndio que já destruiu mais de 2,4 milhões de hectares no Pantanal – o equivalente ao estado de Sergipe – somente no ano de 2024. O habitat onde as antas moravam foi consumido pelo fogo e os dois foram resgatados, no início de agosto, distantes 30 quilômetros um do outro, por uma equipe da ONG Onçafari.
Em comum, ambos apresentavam queimaduras de segundo e terceiro grau nas quatro patas – tão graves que até parte dos ossos estava exposta –, o que torna o caso mais grave por ser o local do corpo que serve como ponto de apoio, de locomoção e que recebe todo o peso desses animais, que não é pouco. A anta brasileira é o maior mamífero terrestre da América do Sul e pesa entre 180 e 300 quilos. No caso do Valente, até as orelhas foram queimadas, apresentando perda de tecido em diversas partes.
As queimaduras de terceiro grau de Valente foram tão graves que parte dos ossos estava exposta. Imagem: Lilian Rampim/Acervo Onçafari
O tratamento, realizado com nosso apoio financeiro, inclui atendimento veterinário especializado e alimentação para os animais. A limpeza das lesões é feita com aplicação de laserterapia e ozonioterapia, pomadas cicatrizantes e até pele de tilápia, recurso utilizado para tratamento de queimaduras também em humanos.
“O processo dos dois está evoluindo bem, mas a recuperação é lenta pela gravidada das lesões. Ambos foram encontrados muito desidratados. O Valente estava muito apático e bebeu 15 litros d’água de uma só vez quando foi resgatado. Como ele já é adulto, nossa expectativa é que até o final do ano ele seja reintroduzido à natureza. Já a Melancia vai precisar de um tempo maior no processo de reabilitação, tendo em vista que é apenas um filhote e foi encontrada sem a mãe. Ela vai precisar aprender os comportamentos típicos da espécie para ter condições de sobreviver por conta própria”, explica Júlia Trevisan, nossa coordenadora de Vida Silvestre.
Melancia, uma anta filhote de apenas 7 meses, se recuperando no recinto do Onçafari. Imagem: Onçafari
Os animais têm sido alimentados com frutas e verduras facilmente encontradas na região – e que fazem parte do cardápio das antas no habitat pantaneiro – enquanto se recuperam. O tratamento inclui a utilização de botinhas, com pomadas cicatrizantes e analgésicas, enquanto os cascos, consumidos pelas chamas, voltam a crescer.
O agronegócio é devastação e extinção animal
Esses incêndios, que exterminam com o habitat e dizimam a vida de milhares de animais silvestres e provocam queimaduras graves em diversas espécies, é provocado pelo agronegócio, que destrói habitats, em biomas como o Amazonas e o Cerrado, para o plantio de grãos de milho e soja que serão transformados em ração para animais criados confinados no modelo de agropecuária industrial. No Pantanal, o fogo é ateado para abrir novas áreas de pastagem e para limpeza de terreno, que ao perder o controle, causa grandes incêndios.
Recentemente, lançamos o documentário "BR-163: Progresso para quem?" que relata diferentes impactos da agropecuária industrial na fauna silvestre. O filme mostra que aves sofrem queimaduras nas penas na tentativa de proteger filhotes nos ninhos dos incêndios e que, devido à lentidão do metabolismo da espécie, famílias inteiras de bicho-preguiça são queimadas por não terem agilidade para fugir das chamas.
“Além do curta, esse ano lançamos a música ‘Defaunação’, que reuniu artistas como Ney Matogrosso, Frejat, Letrux, Mahmundi e Zahy Tentehar, para chamar a atenção do impacto do agronegócio nos biomas brasileiros e a enorme perda de fauna que estamos presenciando no país. A música alerta que, ao mesmo passo que transforma animais silvestres em vítimas, o agronegócio alimenta o sofrimento dos animais de produção tratados como meras mercadorias no sistema industrial. Não podemos esquecer que, além do sofrimento animal, as comunidades tradicionais também são profundamente afetadas pela expansão do agronegócio, que é a atividade responsável todas essas notícias lastimáveis de incêndio que temos acompanhado ao longo dos anos”, afirma Júlia.