“Não mata o boto, papai”: veja como crianças estão salvando a espécie na Amazônia
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Nosso projeto “Comunidades pelo boto” já soma 48 escolas e mais de 5.500 alunos que se tornaram Guardiões do Boto
“É com as crianças que a gente aprende”, diz Rainara Firmino, dando um tom de moral da história à frase. Sentada no chão de madeira da sua casa, ao lado da equipe da Proteção Animal Mundial, a jovem professora do interior da Amazônia repete as palavras de um vizinho que tentou matar um boto cor-de-rosa durante uma pescaria e foi impedido pelos seus filhos.
“Os meninos dele disseram: ‘Não, papai! Não, não, não é pra matar, não. A professora falou que não pode matar o boto mais, não’”, conta ela. As crianças são alunas de Rainara na comunidade Nova Esperança, em Fonte Boa.
Durante 8 meses do ano passado, os estudantes da Escola Municipal Pedro André Filho aprenderam sobre a biologia do boto cor-de-rosa e a importância de proteger a espécie.
A instituição de Fonte Boa é a segunda a participar do nosso projeto educativo “Comunidades pelo Boto”. O primeiro projeto foi realizado em Porto Braga (veja que incrível).
Agora outras 48 escolas já estão inscritas para participar, somando mais de 5.500 estudantes da Amazônia.
A iniciativa da Proteção Animal Mundial é desenvolvida em áreas onde o boto cor-de-rosa ainda é caçado ilegalmente. Estima-se que a população desse inteligente cetáceo brasileiro esteja reduzindo até 10% por ano na Amazônia, onde, infelizmente, a sua carne é usada para pescar um bagre carniceiro – a piracatinga.
“Queremos que as crianças e ribeirinhos da Amazônia se transformem em agentes da mudança e ajudem diretamente na proteção ao boto”, explica Roberto Vieto, gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial na América Latina.
Para a professora Rainara, o projeto do boto foi um incentivo importante. “Aqui na nossa comunidade a gente já viu uma mudança. Não tem mais caça do boto, como acontecia antes. Os meus irmãos também, que pescavam bastante para pegar piracatinga, hoje nem pescam mais. Os comunitários, os pais e alunos, a gente formou uma comunidade unida pelo boto”, se alegra a professora.
Coral, festa e o desfile dos Guardiões
Em dezembro, a comunidade de Nova Esperança e a Proteção Animal Mundial organizaram uma festa de encerramento do projeto.
Os preparativos começaram dias antes. Acompanhadas pelos professores, as crianças fizeram um mutirão para recolher o lixo jogado na natureza e criaram instrumentos musicais a partir de garrafas e latas recicladas. Os alunos também prepararam uma peça de teatro sobre a lenda do boto e uma apresentação de coral.
Na manhã da festa, aconteceram os ensaios. E à tarde, as crianças se juntaram à equipe da Proteção Animal Mundial para convidar toda a comunidade para a festa.
Quando chegou a noite, a escola estava inteira decorada e as apresentações foram um sucesso – o coral teve direito a acompanhamento no violão, nas mãos do professor Paulo Roberto. Os versos falavam sobre a preservação da natureza.
Em seguida, as crianças cantaram uma música sobre o boto cor-de-rosa – ou boto vermelho, como o animal é conhecido na Amazônia –, acompanhadas pelos instrumentos feitos com material reciclado.
E para encerrar com chave de ouro, a comunidade organizou um concurso para eleger o Guardião e Guardiã do Boto. Ao todo, 12 adolescentes participaram do desfile. Os premiados foram a dupla Romeu e Juliana – cada um ganhou uma mochila com brindes do boto.
Mudança atravessa as gerações
Entre os participantes da festança estava Dona Baro, uma agricultora de 65 anos e mãe de 8 filhos, que vive na comunidade há mais de uma década. “Me orgulho da idade que tenho”, diz, nos contando que ainda planta banana, macaxeira, milho e diversas verduras em sua terra, com a ajuda do seu marido Francisco Firmino.
Ela confessa que já teve medo do boto cor-de-rosa.
“Em praia eu nunca andei, porque diziam que [os botos] viravam gente. Aí eu tinha medo, né?”, ela ri, “isso era história que a gente ouvia os mais velhos falarem”. Baro se refere à lenda do boto – que se transforma em um homem charmoso e engravida as mulheres –, uma crença ainda muito presente nas comunidades ribeirinhas.
Um dos desafios desse projeto de educação comunitária era fazer com que a espécie não fosse mais vista como inimiga, explicando a biologia e papel desse inteligente cetáceo para o ecossistema, mas sem diminuir ou desmerecer a importância do folclore amazonense.
Jogo online e metodologia exclusiva
Para isso, trabalhamos junto aos professores locais em uma série de exercícios e ferramentas educativas, desenvolvidas especialmente para o projeto e integradas às aulas de Ciências. Entre as favoritas dos estudantes, está o jogo educativo “Apú e o espírito do rio”. A escola recebeu dois tablets com o aplicativo do jogo instalado.
Ficou curioso para jogar também? Baixe grátis.
“Acabou sendo uma experiência muito rica para os estudantes e para nós. Conseguimos trabalhar tudo que abrange a questão do ecossistema e da biodiversidade, sem perder o foco nos botos. Discutimos o que é a espécie, a necessidade de preservar, a importância que eles têm para a natureza e que nós temos para esses mamíferos”, relata o professor Paulo Roberto.
Dona Baro conta que os seus netos chegavam da escola empolgados, ansiosos para falar sobre o projeto. “Para eles está sendo uma grande coisa. As crianças já não têm medo, não. Os botos estão boiando por aí e eles tão pulando n’água”, ela sorri. E diz que ela mesma mudou sua visão sobre o animal.
“Hoje eu não tenho mais medo, porque sei que ele [o boto] não faz nada de mal”, garante.
Seja um Guardião do Boto
Assim como Dona Baro e a comunidade de Nova Esperança, você também pode se tornar um Guardião do Boto. Mais de 250.000 pessoas ao redor do mundo já assinaram o compromisso da Proteção Animal Mundial para ajudar a proteger a espécie.
Aqui na nossa comunidade a gente já viu uma mudança. Não tem mais caça do boto, como acontecia antes - Rainara Firmino