Redes de pesca e plástico retirados dos oceanos são oportunidade de mercado, dizem especialistas
Notícias
Evento realizado pela ONG Proteção Animal Mundial e ONU Meio Ambiente apresentou soluções inovadoras para poluição dos mares e bem-estar dos animais marinhos
Todos nós já sabemos: o lixo plástico e os instrumentos de pesca têm tido, por muitos anos, grave impacto nos oceanos e na fauna dos mares. Isso não é novidade. Mas, pela primeira vez, um novo estudo traz dados brasileiros sobre o impacto nos animais e a quantidade desses petrechos – redes, anzóis e linhas – que são perdidos ou abandonados no país.
As informações inéditas foram divulgadas no evento Oceano Plástico: como escapar desse emaranhado?, promovido pela Proteção Animal Mundial, em parceria com a ONU Meio Ambiente, na última sexta-feira (7), em São Paulo.
A programação trazia ainda uma série de palestrantes e expositores, que apresentaram uma nova maneira de encarar o problema desses objetos perdidos ou descartados de maneira irresponsável: trazê-los de volta para o mercado.
O encontro reuniu atores envolvidos com o oceano direta ou indiretamente, desde representantes políticos e da indústria do plástico a organizações de proteção animal e projetos de economia circular.
"A gente precisa saber do problema para começar a tomar ações. Nosso papel é servir como facilitador e incentivar indivíduos e organizações a se moverem para diminuir esse problema no Brasil", observa Helena Pavese, diretora executiva da Proteção Animal Mundial.
Dados inéditos sobre pesca fantasma no Brasil
A pesca fantasma é causada por materiais de pesca perdidos ou abandonados, que continuam matando e ferindo espécies marinhas, sem nenhum humano por trás dessa ação ou qualquer ganho comercial.
Segundo o levantamento inédito, lançado durante o evento, mais de meia tonelada de petrechos fantasma podem ser gerados diariamente no Brasil, impactando até 69.000 animais marinhos por dia – incluindo baleias, tubarões, tartarugas marinhas, garoupas, lagostas e aves costeiras.
"Fiquei muito impressionado”, conta o ator Mateus Solano, que participou do evento como defensor do projeto #MaresLimpos. “Redes que foram jogadas no mar há mais de 100 anos continuam matando até hoje e isso precisa parar. É mais uma das cruéis consequências do impacto do ser humano no planeta", lamenta.
Para João Vasconcellos de Almeida, gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial, é fundamental entender a gravidade da pesca fantasma e o seu impacto nos animais.
"Espero que o relatório sirva como um diagnóstico do problema no Brasil. Isso motivaria as empresas a investir na melhoria da qualidade dos oceanos e do bem-estar animal. E pode incentivar todas as partes da sociedade, cada uma com suas responsabilidades, a posicionar o país num lugar de liderança e vanguarda no tema", avalia ele.
Instituto Baleia Jubarte se une ao GGGI
Um dos destaques do encontro, nesse sentido, foi justamente a adesão do Instituto Baleia Jubarte à Iniciativa Global de Combate à Pesca Fantasma (GGGI, na sigla em inglês) – que reúne governos, setor industrial da pesca e setor privado, como redes de supermercados, comunidades de pesca, academia e pesquisa, organizações não governamentais e intergovernamentais. Hoje são 13 países signatários, mas o governo brasileiro ainda não aderiu.
O Instituto Baleia Jubarte é a segunda instituição brasileira a representar o país no GGGI. Na prática, isso significa que a entidade se compromete a fornecer dados e ter acesso a financiamento para projetos dedicados a mapear a pesca fantasma.
Lixo como solução
Realizado em parceria com a ONU Meio Ambiente, o evento também debateu e trouxe soluções para outras formas de poluição plástica nos oceanos – especialmente os produtos de uso único. Para Fernanda Daltro, que lidera a campanha Mares Limpos na ONU Meio Ambiente, “o problema está em terra. Todo mundo junto precisa repensar a forma com que a sociedade humana se relaciona com plástico“.
Essa mudança de mentalidade, explica ela, passa por cada elemento envolvido entender seu papel: o governo atuar com políticas públicas, novos modelos de negócio oferecerem alternativas para o consumidor e este fazer escolhas melhores ao comprar os produtos.
No tocante às inovações corporativas, Bruno Temer, designer, engenheiro e sócio fundador da MatériaBrasil, deu o tom das discussões no evento: precisamos primeiro entender o problema para depois redefini-lo como oportunidade. Não considerar o lixo na cadeia produtiva e assumir que ele será jogado "fora", sendo que não há um "fora" do nosso planeta, é um erro de projeto.
"A gente tem uma crise de modelo econômico. As novas economias têm que ter novos valores. Sair da economia linear para a circular é projeto. A alma é o segredo do negócio", argumenta Bruno.
A Positiv.a, um dos palestrantes convidados, tem essa mentalidade. Materiais plásticos coletados dos mares são usados para fazer embalagens de produtos de limpeza biodegradáveis e pet friendly. Entre eles, estão um esfregão feito de redes de pesca e uma bucha vegetal compostável, produzida por uma cooperativa de mulheres.
Por parte do governo, o vereador Pedro de Assis Silvestre (Pedrão), da Câmara Municipal de Florianópolis, destacou a importância de cuidar tanto dos resíduos descartados nas praias - pensando em soluções de praia lixo zero - como dos que são transportados dos centros urbanos para o mar, com a instalação de bueiros inteligentes, por exemplo.
"Nosso desafio é falar para uma pessoa que não tem contato com o oceano que ela é muito importante para preservação do mundo como um todo. A gente muda o mundo com nossos hábitos e costumes", ressalta.
Feira de Ideias
Para mostrar que essa mudança é possível e destacar algumas iniciativas sustentáveis que já estão no mercado, durante o evento foi realizada ainda uma Feira de Ideias com soluções para a pesca fantasma e o lixo plástico. Os estandes trouxeram mais informação sobre o tema e apresentaram produtos inovadores.
Pesca fantasma impacta até 69.000 animais marinhos por dia no Brasil